Diálogos de papel

  • É uma merda. É estranho.
  • O quê?
  • Eu quero continuar abraçado a ela, mesmo depois de gozar.
  • É o que chamam por aí de apaixonar-se, porra. Nunca ouviu falar?
  • Sim. Mas o ato de sentir isso é grotesco, terrível. É antinatural. Vai contra a bênção do prazer, vai contra as puras lei da sobrevivência. É um clichê tosco onde começam e terminam todos os poemas e todos os problemas da humanidade. É como um acidente de moto ou um chifre.
  • Tô ligado, você tenta negar até o último segundo, mesmo quando tudo está contra você.
  • Isso, bicho. Você nega, você até acha que poderá prever e escapar no momento decisivo, mas só percebe que lhe pegou quando já não importa mais.

Trip de alcatrão e pitu

Não sobra muito de você
após um coração partido.
Cate os pedaços
pelo chão
e saia gritando
ou chorando
ou mesmo calado.
Silêncio, meu bem, talvez seja o segredo.
Mas, na verdade, tanto faz.
Não mudará muita coisa.
Logo aparecerá alguém
que de alguma forma
irá te confortar
e te quebrar
em algum momento.
Justo quando você menos espera,
ou até espera, mas acontecerá de uma forma tão bizarra
que você nunca imaginaria.
O ciclo continuará.
Incessantemente.
Friamente.
É a forma como as coisas andam.
Quanto mais cedo você compreender isso, talvez seja melhor.
Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás!
Procure um lugar em que você caiba.
E fique lá.
Vez ou outra, dê uma olhada no que fazem do lado de fora.
No que eles falam.
No que eles acreditam.
Vez ou outra, perca-se,
mas nunca tanto
a ponto de você não conseguir mais voltar.
Não é fácil.
Realmente não é fácil.
Nunca foi.
Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás!

Croácia, meu amor.

A seleção brasileira perdeu a copa.
Você me diz que não pode mais me ver pois chegou num ponto em que tu não queria mais transar com o teu noivo.
Minha mulher encontrou os acessórios sadomasoquistas que eu pretendia usar contigo e encheu a cara somente para me xingar com vontade.
Hoje não é um dos melhores dias da minha vida e tenho certeza de que eu sou só um imbecil
fazendo peso na terra.
Eu não sei mais bem qual o motivo pelo qual eu devo acordar.
Minha filha me olha e me abraça
buscando uma criatura como exemplo.
Eu quase choro beijando sua testa e saio para beber mais.

Desejo.

Satisfação.

Inquietude.

São todos lados diferentes

da mesma velha moeda.

São só mais um ciclo.

Correr atrás de algo até morrer.

Você nasceu por isso,

para isso.

Se perder o fio da meada,

você irá cair.

Irá se perder.

Irá afundar.

E por fim, morrerá,

mentalmente,

espiritualmente,

mas nunca fisicamente

e esse é o problema.

Estou derrotado.

Estou afundado.

Estou mais vazio do que todo aquele povo que vejo sorrindo no Instagram.

Na mesa atrás de mim

um coroa fala para o amigo:

“Ei Zé, bicho,

a vida é boa!”

e ouvir isso me causa

um tipo de incômodo que não sei explicar.

Engulo minha cerveja e acendo outro cigarro

procurando sem muita esperança a porra do meu fio da meada

enquanto Raul segue no rádio do bar

cantando que todo homem e toda mulher é uma estrela.